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Certificação de sprinklers

julho 12, 2019

Revista Emergência

Por Felipe Decourt


 À exceção da Norma Técnica Brasileira ABNT NBR 16.400:2015, não há literatura técnica produzida e disponibilizada no mercado nacional com profundidade para uma análise consistente sobre o produto chuveiro automático de combate a incêndio ou, mais popularmente conhecido, o sprinkler.

Esta escassez e, por consequência, a falta de conhecimento técnico aprofundado pela maior parte da cadeia produtiva do mercado de incêndio sobre detalhes cruciais da relação entre chuveiros automáticos de qualidade, normas técnicas e certificação, há quase uma década, resulta em decisões de engenharia e comercial de baixíssimo padrão e responsabilidade.

Há gigantescas diferenças entre sprinklers de qualidade – ou dispositivos fabricados à luz de uma norma técnica – como referência para o projeto de produto e os que simplesmente são fabricados e distribuídos no mercado sem qualquer preocupação de conformidade.

Considerando ser de conhecimento geral as estatísticas de sucesso de um sistema de sprinkler bem projetado, instalado e mantido para o controle e combate ao incêndio, cabe relacionar alguns dados e fatos irrefutáveis sobre incêndio e sistemas de sprinklers que façam emergir claramente a importância técnica do produto e seu processo de fabricação, qualidade e confiabilidade, entre eles: um foco de incêndio não combatido em seu princípio ganha altíssima potência, tornando-se incontrolável por sistemas automáticos ou manuais de pequeno/ médio porte, após um minuto a quatro minutos, dependendo da arquitetura do ambiente e tipo de carga combustível armazenada; após o surgimento do foco de incêndio, os chuveiros automáticos devem operar em 30 segundos, aproximadamente, para que haja efetivo controle do fogo antes de sua potencialização. Este fato pode ser observado no vídeo Side by Side, disponibilizado no canal do Youtube da ABSpk (Associação Brasileira de Sprinklers). Ao atuar, os chuveiros automáticos acionam todo sistema que, estando em boas condições de funcionamento, tem o objetivo de atrasar o efeito de potencialização do fogo (flashover) e amplia em mais de 30 minutos o tempo disponível para reação, sendo este mais do que suficiente para a chegada do Corpo de Bombeiros e a fuga dos ocupantes da edificação; com a ativação de um a cinco chuveiros automáticos, a taxa de sucesso no controle

do foco do incêndio gira em torno de 92% a 98% (NFPA, 2012, US Experiences with sprinklers), bem como haverá a redução de gases tóxicos, da temperatura e manutenção do oxigênio em patamares razoáveis à respiração humana (NIST, 2005, Estudo sobre o incêndio na Boate The Station Night Clube, Rhode Island 2003).

Certificação de sprinklers

Somam-se aos fatos acima, algumas constatações importantes que, mesmo sendo quase intuitivas, passam despercebidas no dia a dia, apesar de fundamentais para o objetivo e as conclusões deste artigo. O sprinkler é o “botão de LIGA” (ou uma chave normalmente fechada) do sistema de sprinkler. Se ele falhar, todo o investimento realizado no intuito de proteção da vida e do patrimônio poderá ter sido em vão; o sprinkler deve atuar no momento preciso do incêndio. Se funcionar antes, causa prejuízo e transtorno desnecessário e inutiliza o sistema até o seu reset, deixando a edificação exposta. Se funcionar depois, terá o mesmo efeito de não funcionar ou nem existir, pois não será capaz de combater um incêndio potencializado; o sprinkler deve funcionar a qualquer tempo e hora, seja no dia seguinte ao habite- se da edificação, ou 15 anos depois, numa noite de Réveillon, por exemplo. Como consequência desta expectativa de longo prazo, um sprinkler deve ser capaz de atuar de acordo com as referências técnicas padrão usadas nos cálculos

de projeto (Normas Técnicas), mesmo após suportar a ação do tempo, de esforços mecânicos (dilatação, pancadas e vibração) e do calor de um incêndio.

Levando em conta um prédio comercial padrão de 5.000m2, atendido por, aproximadamente, 500 sprinklers e, considerando que a expectativa de bicos atuantes fique entre uma a cinco unidades para contenção segura do fogo, podemos afirmar que a margem de erro na atuação dos chuveiros automáticos não pode ser maior que 1% (deveria ficar perto de 0,2%). A não atuação do primeiro sprinkler já compromete seriamente o sucesso do sprinkler mais próximo, já que o fogo deverá ganhar potência para atingi-lo.

Se a expectativa de falha do produto sprinkler é mínima (0,2%) e de acerto (atuação precisa e funcionamento correto) deve ser máxima (99,8%), podemos concluir que, ao se investir num sistema de sprinkler (projeto, instalação e manutenção), o elemento “acionador” do sistema, o chuveiro automático de combate ao incêndio, deve ser do mais alto nível de confiabilidade. Caso contrário, coloca- se o investimento e a segurança das pessoas, patrimônios e negócios em altíssimo grau de risco.

Diante disto, como garantir a confiabilidade máxima de um sprinkler, ou como

definir, parametrizar e medir a qualidade de um sprinkler, tendo como foco a falha zero em seu acionamento/funcionamento, no curto ou no longo prazo, é a questão principal deste artigo.

CONFIABILIDADE

O artigo “Sprinklers no Brasil: Apresentação e análise da nova norma ABNT NBR16.400:2015 – Enfim uma sólida base técnica para a construção de um mercado confiável”, do autor Braulio Viana, inscrito no 4º concurso do ISB (Instituto Sprinkler Brasil), comprovou, em pesquisa de campo, que o processo completo de fabricação de um sprinkler

envolve, aproximadamente, 142 etapas, sendo 20% delas etapas puramente fabris e 80% de processos de qualidade (entre manutenções, apontamentos, aferições, medições, descartes, controle de uso das ferramentas, instruções técnicas, treinamentos, tratamento estruturado das não conformidades, etc.). É importante ressaltar que os dados foram

extraídos de empresa e produtos certificados, o que justifica estes números surpreendentes. A relação de quatro processos de qualidade para um processo fabril é totalmente inédita até o presente momento.

Considerando o mercado médio brasileiro em torno de 1 milhão de chuveiros automáticos por ano como definir, parametrizar e medir a qualidade dos sprinklers, tendo como foco a falha zero em seu funcionamento, no curto ou no longo prazo, sabendo que, até estar pronto para aplicação, estes sprinklers são produzidos e montados por meio de, aproximadamente, 142 milhões de processos ao ano, ou 12 milhões de processos ao mês? A fim de elucidar melhor a relação entre os desafios de resultados esperados pelo produto e seu processo fabril qualificado, vamos recordar as partes de um sprinkler, demonstrado na Figura 1.

Baseado somente nos dados da questão central deste artigo e considerando a estrutura básica de um sprinkler, ou seja, a parte fixa (corpo defletor e parafuso de fixação) e as partes móveis (bulbo, obturador e elemento vedante), é possível delinear de forma bem simples alguns parâmetros iniciais da qualidade. São eles: resistência dos materiais; montagem estanque e equilibrada; e funcionalidade.

No que diz respeito à resistência dos materiais, a liga metálica e o processo de proteção superficial devem garantir resistência física às intempéries e esforços mecânicos e térmicos por pelo menos duas décadas, tempo em que a própria tubulação do sistema já terá se deteriorado. Calor, vibração, impactos mecânicos externos, golpes hidráulicos e corrosão seriam os principais riscos à integridade das partes fixas e móveis de um sprinkler. Desta forma, ele deve ser resistente no longo prazo para que possa funcionar corretamente a qualquer tempo.

Em relação à montagem estanque e equilibrada, o processo de montagem é crucial no sprinkler, pois é nesta fase que a parte fixa e as partes móveis se encaixam e se equilibram por meio de um sistema de forças, no qual o corpo é esticado e as peças móveis comprimidas. A centralidade do corpo, bem como a  qualidade da usinagem dele e do elemento vedante, atrelada à força de equilíbrio do sistema (produto sprinkler montado), que gira em torno de 500N (Newtons), são cruciais para a funcionalidade dos chuveiros automáticos, no longo e no curto prazo. O controle da qualidade no processo fabril e no processo de montagem é, portanto, um ponto crítico de sucesso para se obter um produto funcional e de qualidade assegurada.

E, por fim, a funcionalidade do produto. Garantir materiais resistentes e uma montagem estanque e equilibrada são pré-requisitos para um sprinkler de qualidade, mas não são suficientes, pois é preciso atender também às especificações/ensaios técnicos padrão de atuação, definidos em Normas Técnicas e considerados pelos projetistas no cálculo de sistemas. Antes de tudo, um sprinkler precisa atuar dentro da faixa nominal de temperatura do elemento sensível. Em seguida, deve resistir à pressão da água e distribuí-la no ambiente, por meio do defletor, de forma padronizada, constante e na vazão correta. É por esta razão que, ao atuar, nenhuma parte móvel do sprinkler deve ficar presa à parte fixa, pois alteraria os padrões de distribuição da água.

Ao compreender a necessidade de coexistência destes três grupamentos técnicos no processo de qualificação de um sprinkler, começamos a delinear um caminho para responder nossa questão.

Definir ensaios técnicos para cada grupamento significa parametrizar e criar uma forma pragmática de medir e garantir a qualidade de um sprinkler. Os ensaios de funcionalidade terão impacto no projeto do produto em relação às dimensões e design do sprinkler, a fim de garantir a correta vazão e distribuição da água. Os ensaios de resistência dos materiais e montagem estanque e equilibrada ajudarão na análise dos pré-requisitos físicos do sprinkler, a fim de que as funcionalidades dele sejam garantidas no curto e no longo prazo.

A atual Norma Técnica Brasileira – ABNT NBR 16.400:2015 – Chuveiros automáticos para controle e supressão de incêndios – Especificações e métodos de ensaio, atualizada com base nos atuais padrões internacionais para o produto, é robusta, adequada e está pronta para cumprir a função de elo vital para o fortalecimento de um mercado confiável.

Da atual Norma Técnica Brasileira, bem como da ISO 6182:2015, FM2000:2006 e UL199:2017 podemos destacar ensaios técnicos para cada grupamento. Resistência dos materiais: exposição ao calor; ensaio de choque térmico; resistência ao impacto; resistência ao calor; resistência à vibração; e resistência à corrosão. Montagem estanque e equilibrada: exame visual; ensaio de estanqueidade; ensaio de resistência hidrostática; resistência ao vazamento por 30 dias; resistência ao vácuo; e resistência ao Golpe de Aríete. Funcionalidade: ensaio de temperatura; ensaio de funcionamento; ensaio de distribuição de água; ensaio de sensibilidade térmica – ITR /Fator C; e ensaio de vazão – Fator K.

A existência da atual Norma Técnica com todos estes ensaios não significa que o problema de qualidade de chuveiros automáticos está resolvido, mas o primeiro grande e importante passo já foi dado.

Enquanto não existir legislação que  parametrize a qualidade técnica mínima de sprinkler aceita no Brasil, apesar do Código de Defesa do Consumidor ser claro quanto à proibição de se colocar no mercado produtos em desacordo com as Normas da ABNT, podemos entender melhor os riscos de um produto desqualificado e, sendo profissionais da área de segurança, tomar decisões mais seguras e que de fato aumentem as chances de preservação da vida, dos patrimônios e negócios. Desta forma, o conhecimento é essencial no processo decisório.

Se listarmos todos os equipamentos de um sistema como, por exemplo, eletrobombas, chaves de fluxo e válvula de governo e alarme, perceberemos o que  parece ser o óbvio para alguns, mas que não é percebido por muitos: o sprinkler é o único produto que, ao ser plenamente testado, é inutilizado (como o fósforo), ou nenhum sprinkler instalado nunca foi e nem será plenamente testado.

O primeiro fato conclusivo desta constatação é que testar lote de sprinkler não representa nada isoladamente. Mesmo quando realizados nos mais reconhecidos laboratórios e aprovados em todos os testes, nenhum sprinkler do lote testado poderá ser instalado. Esta prática, lamentavelmente, tem sido muito comum nos últimos anos, na qual chuveiros sem certificação foram levados ao IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e, mesmo sem ter aprovação do lote em todos os ensaios técnicos, foram ofertados ao mercado brasileiro e adquiridos por quem desconhecia as consequências. A segunda conclusão é que para validar um lote testado e afirmar que a fábrica que produziu este lote, de fato, reproduz com qualidade garantida todos os seus sprinklers, à semelhança do lote, é preciso que haja total controle e uniformidade do processo produtivo desta fábrica.

Certificação de sprinklers 2

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Somente por meio da construção do conhecimento, por meio desta cadeia lógica de procedimentos, é que podemos entender a suma importância da certificação de chuveiros automáticos no processo de garantia da qualidade.

A essência do processo de certificação está na auditoria. Ou seja, na metodologia na qual uma instituição gabaritada verifica fábricas com um olhar imparcial, crítico e construtivo. Aponta, questiona, discute e registra falhas no processo, que, muitas vezes, não eram percebidas pelo próprio fabricante, mas que, aos poucos, ajudam na construção cada vez mais consistente de um processo fabril qualificado e seguro.

Processos sérios de certificação de sprinklers envolvem duas auditorias complementares: a auditoria técnica, para avaliar o desempenho dos chuveiros automáticos à luz dos ensaios de Normas Técnicas de referência, como as da ABNT, FM e UL, e a auditoria de Gestão da Produção (ISO 9001:2008/2015), sobre a linha fabril dos sprinklers. Somente desta forma é possível definir, parametrizar e medir a qualidade dos chuveiros automáticos e, ao mesmo tempo, auditando a linha de produção, garantir que os milhões de processos envolvidos na fabricação sejam bem controlados a ponto de manter a conformidade em todos os produtos liberados para aplicação.

A emissão do Certificado de Qualidade por parte da instituição certificadora é uma forma de comunicação ao mercado de que determinado fabricante foi auditado, que o lote testado foi aprovado nos ensaios descritos na Norma Técnica e que o processo produtivo é controlado a ponto de garantir conformidade e uniformidade. Ou seja, o lote testado, de fato, representa tecnicamente toda a produção daquela fábrica.

A certificação garante e comunica ao mercado quais sprinklers atuarão em 30 segundos, “ligando” o sistema a qualquer tempo/hora, atrasando a evolução do incêndio e, com isto, dando tempo para a fuga dos ocupantes e chegada dos bombeiros. Enfim, o processo de fabricação com certificação é de fato o único caminho seguro para  salvar vidas, patrimônios e negócios. Enquanto o processo de Legislação ainda não parametriza qualidade técnica para bicos de sprinkler no Brasil, faça a sua parte: exija sprinklers certificados! Agora, você já sabe por que.

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