Revista Emergência
Por João Carlos Wollentarski
O efeito da velocidade da água nas formulações de perdas de cargas
Uma pergunta que sempre surge entre os profissionais que trabalham com sistema de sprinkler é: “qual o limite da velocidade da água neste tipo de sistema?”. A resposta mais simples que podemos dar é que não há um limite definido.
Para darmos um enfoque um pouco mais abrangente sobre o assunto, temos que entender a origem das formulações matemáticas que traduzem o comportamento de pressões ao longo de uma rede hidráulica. Em 1738, o matemático e físico Daniel Bernoulli publicou um livro chamado Hydrodynamica. Este livro lançou a pedra fundamental para todos os princípios hidrodinâmicos, pois relacionou o princípio físico da conservação de energia na hidráulica dos fluidos. Nasce aqui o princípio de perda de carga hidráulica, na qual a diferença de pressão ocasionada pelo fluxo de um líquido viscoso entre dois pontos em um
mesmo tubo de mesmo diâmetro e na mesma cota deve-se à perda de energia por atrito. A partir de então, temos uma busca por formulações matemáticas que pudessem prever com exatidão qual é a perda de energia hidráulica entre dois pontos. Ainda no século 18, Henri Pitot e Antoine Chézy conseguiram relacionar a perda de carga hidráulica a três componentes, são eles: velocidade da água; diâmetro e comprimento da tubulação; e coeficiente que não era uma constante. Por volta de 1845, Julius Weisbach e Henry Darcy conseguiram, com base nos princípios anteriores, desenvolver a famosa fórmula universal de perda de carga hidráulica ou também conhecida como fórmula de Darcy. Basicamente,
temos a Fórmula 1. A fórmula universal traz uma novidade que é o Coeficiente de Darcy. Trata-se de um número adimensional no qual estão relacionados os seguintes parâmetros: tipo de material da tubulação; viscosidade do fluido; e condição do regime de escoamento – laminar ou turbulento.
Em princípio, parece que os problemas foram finalmente resolvidos, pois agora temos uma formulação matemática que consegue prever com exatidão a perda de energia hidráulica. O grande problema é que no século 19 ainda não tínhamos calculadora, muito menos um computador e, o principal, a equação de Colebrook-White para determinação do Coeficiente de Darcy. Nesta época, a única solução era pelos diagramas de Moody. Em 1906, Hazen e Willians – não se trata de apenas uma pessoa – desenvolveram uma fórmula empírica, de fácil uso para determinação das perdas de cargas. Esta equação é similar à equação de Chézy, porém, os seus expoentes foram ajustados para melhor se ajustar às seguintes
condições de contorno: fluxo de água em regime turbulento; tipo de fluido: água; e temperatura: ambiente (~ 15oC).
Considerando os itens acima como constantes (regime e viscosidade), sobram então as seguintes variáveis: comprimento do tubo; velocidade (normalmente indicada na fórmula na condição de vazão. Lembre-se que Q=u/a onde “Q” é a vazão, “u” é a velocidade e “a” é a área da seção do tubo); diâmetro da tubulação; e coeficiente do material.
O leitor deve então estar pensando: “ora, esta fórmula resolve todos os meus problemas!”. De certa forma, sim. Porém, algumas considerações necessitam ser feitas. Uma delas é que esta fórmula se aplica única e exclusivamente à água. Para qualquer outro tipo de líquido, não se aplica. Outra, é que a fórmula foi desenvolvida para temperaturas de, aproximadamente, 15 graus célsius. Temperaturas mais altas não temos problemas, pois a viscosidade do fluido será menor (ficaremos a favor da segurança).
Porém, para temperaturas mais baixas, teremos um aumento da viscosidade e consequentemente uma perda de carga maior. Por último, apesar de a equação de Hazen e Willians cobrir escoamentos turbulentos, não cobre qualquer condição deste tipo de escoamento. Regimes altamente turbulentos tendem a gerar erros significativos nos cálculos. Isto normalmente ocorre com tubos rugosos (paredes ásperas) aliados a altas velocidades de escoamento.
COMPARAÇÕES
Vários estudos já foram feitos para analisar o impacto da aplicação das duas formulações nas perdas de carga. Chamo a atenção do leitor para o único estudo que conheço sobre a análise destas formulações em instalações de sprinkler. Trata-se do Water Velocity: “Its Impact on the Accuracy of Hydraulic Calculations” (do engenheiro Roland Huggins), publicado em 1996 pela American Fire Sprinkler Associate. Este estudo fez comparações entre o cálculo hidráulico de perda de carga em tubulações novas pelas duas fórmulas (Hazen e Willians e Darcy) variando apenas a velocidade (3 à 12 m/s). Observa-se que: em tubos de aço carbono de 4”, a diferença entre os dois cálculos varia de 2,41% (3 m/s) à 14,85% (12 m/s); em tubos de aço carbono de 1”, a diferença entre os dois cálculos varia de 11,22% (3 m/s) à 21,9% (12 m/s); em tubos de cobre de 4”, a diferença entre os dois cálculos varia de 3,19% (3 m/s) à 7,46% (12 m/s); e em tubos de cobre de 1”, a diferença entre os dois cálculos varia de 0,71% (3 m/s) à 4,84% (12 m/s).
Fazendo uma análise em função de tudo que escrevemos acima, podemos fazer algumas observações. Primeiro, em tubos de aço carbono de maior diâmetro, a diferença entre as duas formulações é desprezível. Para aqueles que ainda acham 15% um número alto, vale observar que a diferença entre as duas pressões calculadas foi de apenas 0,08 psi/ft. Segundo, para tubos de aço carbono de 1”, a diferença percentual é grande (21,9%), porém a faixa de tubos, a qual calculamos nesta situação é muito pequena. Normalmente, tubos de 1” alimentam um chuveiro nesta condição (velocidade altíssima). Num cálculo hidráulico
completo de uma rede, teremos uma variação considerável entre estas duas formulações apenas no trecho de tubo do final da rede. Neste mesmo estudo, consta uma diferença máxima de 0,6 psi/ft (situação na qual ocorre a variação de 21,9%) entre as duas formulações.
Considerando a distância média entre bicos de 10ft, teremos, no máximo, uma diferença de 10 x 0,6 psi= 6psi ou aproximadamente 4mca. Para uma situação extrema (velocidade altíssima), o incremento de pressão é muito pequeno. Terceiro, nos tubos de cobre, a diferença entre as duas formulações é desprezível em qualquer situação. Quarto, sendo tubos de aço ou cobre, ao aumentarmos a velocidade, aumentamos a diferença entre os valores calculados pelas duas formulações. Quinto e último, quanto maior a rugosidade de um tubo, menos preciso será o cálculo hidráulico pela fórmula de Hazen e Willians (maior o
desvio entre os dois cálculos).
Isto acontece tecnicamente porque temos algumas diferenças. Uma delas é que tubos com rugosidade maior (aço é maior que cobre) tendem a apresentar regimes mais turbulentos que os tubos de rugosidade menor. Quando aumentamos a velocidade este problema se agrava. Outra, é que nos tubos de diâmetro pequeno, a suas paredes têm muita influência
no escoamento do fluido, fazendo com que o regime de escoamento fique extremamente turbulento com o incremento da velocidade. Conforme se observa, o efeito da velocidade para aceitação ou não da fórmula de Hazen e Willians é relativo e de difícil compreensão,
visto que mudando o diâmetro ou o material, podemos ter desvios pequenos ou grandes em relação ao calculado pela fórmula de Darcy.
Um consenso que se criou entre os formuladores das normas de sprinkler é que a velocidade é autolimitante. Velocidades altas, apesar de fazerem o cálculo hidráulico divergir do real na fórmula de Hazen e Willians, são na sua essência autolimitante. Se não, vejamos, imagine um tubo de 25mm (26,6mm de diâmetro interno) com 10m de comprimento.
Vamos fazer uma análise pela fórmula de Hazen e Willians para algumas vazões: 100 l/min, velocidade 3 m/s, perda de carga total 0,5 bar (5,1mca); 300 l/min, velocidade 9 m/s, perda de carga total 3,8 bar (38,8mca); 500 l/min, velocidade 15 m/s, perda de carga total 9,75 bar (99,5mca); 1000 l/min, velocidade 30 m/s, perda de carga total 35,17 bar (358,9mca). Observe que as duas primeiras opções são viáveis apesar de a segunda já ser difícil de atender. As duas últimas são fisicamente impossíveis de serem atendidas, pois não é possível em apenas 10m de tubo termos uma perda de carga tão grande. Vale ressaltar, ainda, que normalmente os trechos de velocidade alta em sistemas de sprinkler são normalmente muito curtos. Normalmente, isto ocorre quando os bicos não são diretamente ligados ao tubo. Um exemplo é a situação onde temos um forro falso e existe uma “caneta” de tubo para ligar o bico de sprinkler à tubulação principal. Apesar de termos velocidades nestes trechos próximas de 15 m/s, como o trecho de tubo é muito pequeno, a perda de carga geralmente é pequena. A diferença de cálculo entre as duas formulações (Hazen e Willians e Darcy) pode ser considerada insignificante.
O leitor deve estar se perguntando, ora, como hoje temos computador, por que não usarmos sempre então a fórmula de Darcy? (Como ela é uma fórmula completa que leva em conta a
viscosidade, regime de escoamento, etc, vamos estar cobertos em qualquer situação).
Nem sempre o que reluz é ouro. Infelizmente, não temos muitas informações sobre os tubos de aço que não são novos. Para tubos novos, podemos perfeitamente aplicar os diagramas de Moody, ou mesmo a equação de Colebrook-White. Porém, em instalações de sprinkler , podemos ter tubos com mais de cem anos. E aí vem a pergunta: como estes tubos se comportam nesta condição? Como prever isto nos cálculos pela fórmula de Darcy?
A tecnologia de sistemas de sprinkler tem pouco mais de cem anos e ela foi basicamente construída sobre a equação de Hazen e Willians. Já está perfeitamente provado que usando esta equação com o coeficiente adequado (120 para aço por exemplo) o sistema realmente
funciona mesmo depois de muitos anos da instalação.
Diante de todas as variáveis apresentadas acima, a NFPA 13 (Norma Americana de Instalação de Sistema de Sprinkler) traz algumas considerações sobre o assunto.
Entre elas, o item A.23.4.1 – não é necessário restringir a velocidade da água ao usar a Fórmula de Hazen e Willians. Também o item 23.4.2.1 – as perdas de carga hidráulica devem ser calculadas com base na Fórmula Hazen e Willians. Por último, o item 23.4.2.1.3 – para sistemas anti congelamento, deve-se usar a fórmula de Darcy. Observe que ela indica a fórmula de Darcy apenas em situações que não temos exclusivamente água (quando usamos solução anti congelamento). A Factory Mutual (FM Global) também
traz algumas considerações sobre o assunto no Data Sheet 2.0. Para sistemas que não sejam baseados em água ou que sejam baseados em água com velocidade superior a 9 m/s usa-se a fórmula de Darcy. Para sistemas baseados em água com velocidade inferior
a 9 m/s deve-se usar a fórmula de Hazen e Willians.
A NFPA 20 (Norma Americana sobre Bombas) aborda algumas questões sobre o assunto. Na tabela 4.26 e item A.4.15.5 estabelece os diâmetros mínimos de sucção em função da velocidade máxima (4,6 m/s) considerando 150% da vazão nominal da bomba (ver nota c) e estabelece o diâmetro da tubulação de recalque em função da velocidade máxima limitada a 6,1 m/s considerando também 150% da vazão nominal da bomba (A.4.15.5). A NFPA 20 limita a velocidade na sucção tendo em vista que ela não cobra a análise do NPSH (Net
Positive Suction Head) requerido pela bomba e disponível no sistema. Como ela não permite sucção negativa, limita a perda de carga na sucção e limita a velocidade, automaticamente não teremos problema com o NPSH. Já em relação ao recalque, faz-se necessária a limitação da velocidade tendo em vista que velocidades excessivas podem comprometer a medição da curva da bomba. Após sair da casa de bombas, não há qualquer regulamentação de controle de velocidade. Por último, também apresento algumas
considerações. Para sistemas de tubos molhados, o processo de corrosão é muito pequeno e normalmente cessado rapidamente após a instalação. Se não há esvaziamento constante da rede, a corrosão dos tubos ao longo do tempo tende a ser mínima. Outra consideração, é que a fórmula de Hazen e Willians trabalha com água próxima de 15oC. No Brasil, a temperatura média da água é de 20oC. Esta diferença na temperatura muda a viscosidade da água gerando uma majoração no cálculo da ordem de 10%. Tenho uma opinião formada que para sistemas de tubos molhados no Brasil, o cálculo correto é a aplicação da fórmula
de Darcy com a viscosidade da água para a temperatura de 20oC. Apesar da opinião emitida aqui, o correto e o que faço é seguir integralmente o previsto na NFPA 13: adotar a fórmula de Hazen e Willians sem me preocupar com a velocidade máxima na rede quando
se tratar de sistemas baseados exclusivamente em água.